José Calasans por Consuelo Pondé de Sena PÁGINA PRINCIPAL | VOLTAR estante

José Calasans
e o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia

Além dos ambientes colegial e universitário, convivi com o Professor José Calasans durante muito tempo no espaço privilegiado da Casa da Bahia, onde ele pontificava entre outros estudiosos e pesquisadores daquele Estado.

Sergipano de Aracaju, onde nasceu a 14 de julho de 1915, era também baiano de coração. Se na terra natal cursou as primeiras letras e fez o secundário no Liceu Sergipense, foi em Salvador que estudou na Faculdade de Direito, diplomando-se em 1937. Neste mesmo ano foi admitido como Sócio Efetivo do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, onde pontificara outro notável sergipano, Bernardino José de Souza, Secretário Perpétuo da Casa da Bahia.

Chegara a esta capital com apenas 17 anos, em 1932, integrando-se no meio social baiano graças à sua capacidade de comunicação e de entrosamento na comunidade. Após a formatura, no entanto, voltou a Aracaju, passando a lecionar no Colégio Estadual de Sergipe e na Escola Normal Rui Barbosa. Nesta última atuou como catedrático, aprovado com distinção, de História do Brasil e de Sergipe.

Corria o ano de 1942. Em Aracaju, tal era a sua projeção intelectual que assumiu a presidência do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, no biênio 1945-1947. Ainda em Sergipe, atuou em São Cristóvão, colaborando com Rodrigo de Melo Franco, como diretor do Iphan, promovendo a classificação de bens e imóveis da cidade.

Regressando a Salvador para fixar residência, em 1947, já trazia consigo e com a esposa, Lúcia Margarida Maciel Calasans, com quem se casara a 30 de dezembro de 1941, o primogênito José.

Em Salvador passa a ensinar na Faculdade Católica de Filosofia e na Faculdade de então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Bahia, hoje de Ciências Humanas da Ufba.

Em 1951 submete-se a concurso de Livre – Docência de Historia do Brasil, defendendo a tese: "O Ciclo do Bom Jesus Conselheiro". Na mesma Faculdade, em 1959, concorre à Cátedra de História Moderna e Contemporânea, tendo apresentado o estudo: "Os Vintistas e a Regeneração de Portugal".

Durante alguns anos chefiou o Departamento de História dessa Faculdade, da qual foi Diretor nos anos 1974 e 1975: De 1980 a 1984 assumiu o cargo de Vice-Reitor da UFBA. Ao lado da História, consagrou-se aos estudos de Folclore, tendo publicado curioso trabalho intitulado: "Cachaça, Moça Branca". Antes dele publicou "Aspectos folclóricos da cachaça" (Aracaju).

José Calasans no IGHB

Da Casa da Bahia foi permanente e assíduo frequentador. Integrou também algumas diretorias. De 1950-1951 fez parte da Comissão da Revista e Estatuto. De 1952-1953 assumiu a direção da Revista. Provavelmente, foi o responsável pelos números 77 e 78 da mesma publicação, embora nelas nada conste em relação ao assunto. Na de número 84 aparece seu nome na direção da Casa como diretor do periódico. No biênio 1954-1955 assumiu a Tesouraria. De 1956-1957 fez parte da Comissão de História Geral. Assumiu o cargo de 1o secretário, no biênio 1960-1961, quando foi reeleito o presidente Magalhães e segundo secretário em dois biênios 1964-1965 e 1966-67. Depois, foi Diretor da Revista - 1968-1969. A partir de julho de 1971 ocupou a Primeira Vice-presidência; de 1974 a 1997 fez parte da Comissão de História Geral.

Quanto às outras atividades desempenhadas no Instituto, 1º vice–presidente, atuou como segundo secretário, no Primeiro Congresso de História, tendo sido designado Delegado Oficial do Estado de Sergipe e Delegado Oficial do Instituto Histórico e Geográfico daquele Estado. Como Congressista fez parte da 1ª reunião plenária do I Congresso, realizado no dia 21 de março de 1949. Foi relator do trabalho "Notas à margem do livro Artistas Baianos", de Manuel Querino, de autoria de Marieta Alves. Por ocasião do II Congresso de História da Bahia, reunido em 1952, atuou como Segundo Secretário, tendo apresentado na terceira secção – História Econômica e Social o estudo: "A Guerra de Canudos na Poesia Popular". No III Congresso atuou como Relator-Geral e emitiu parecer acerca de trabalho apresentado por Hildegardes Viana, intitulado "Dois de Julho de Bairros".

José Calasans não era homem de estar apenas por estar nos espaços culturais que frequentava. Sempre se envolvia com as instituições das quais participava, fosse com a simples presença, ou proferindo palestras, escrevendo artigos, dando pareceres, opinando.

Na Revista do IGHB escreveu, apenas, três artigos: "Álvaro Augusto da Silva" (v.87, 1978); "Fávila Nunes, repórter em Canudos" (v.90, 1992); "Prefácios canudenses" (v.91, 1994). Dotado de palavra fácil e aliciante, era um dos mais articulados comunicadores e debatedores da Casa da Bahia.

Em determinado trecho da entrevista concedida a Marco Antonio Vila, Calasans assim se manifesta: "Na década de 30, a Bahia era um bom centro de história, mas que só estudava a capital, o sertão não era objeto da História. Estudava-se o descobrimento, as Capitanias, as Bandeiras e as Entradas Baianas. Da Revolução dos Alfaiates, quando estava estudando aqui, nunca ouvi falar. As publicações do Instituto Histórico eram muito boas, mas nada de aproximação com a História Contemporânea. O Instituto realizava quinzenalmente as chamadas Tertúlias, mas as conferências ou eram sobre pessoas, sobretudo militares e chefes políticos, ou então sobre as Capitanias Hereditárias". (Vila, 1998. p19)

Presença ativa na Vida Cultural da Bahia

De tal maneira Calasans se projetou na Bahia que, a 11 de novembro de 1963, tomou posse na Academia de Letras da Bahia. Em determinado trecho do seu discurso revela a sua imensa alegria em integrar aquele sodalício: "O homem maduro que solicitou, na terra alheia, por força do amor, também sua terra, uma cadeira ao vosso lado, não se julga, de modo algum, digno de ocupá-la. Apenas pretendeu, confiado na grandeza de vossos corações, evitar mais uma frustração do menino sergipano de 1931, que tanto sonhou e tão pouco, em verdade, tem conseguido realizar. Agradecido ao vosso atendimento, prometo-vos trabalhar, dentro da minha minimez, com a mais sincera das dedicações" (Revista da Academia de Letras da Bahia).

Tendo ali ingressado aos 48 anos de idade, na Casa de Arlindo Fragoso atuou com muito envolvimento. Alcançou a presidência da instituição em 1971, em cuja função se manteve até 1972. Pronunciou discursos aos recipiendários: Luiz Monteiro, Luís Henrique Dias Tavares, Zitelman de Oliva, Oldegar Franco Vieira e A. L. Machado Neto.

Publicou na revista da ALB os seguintes artigos: "O Diário de Notícias e a Campanha de Canudos"; "Fausto Cardoso no cancioneiro popular de Sergipe"; "Hildegardes Viana"; "Canudos, origem e desenvolvimento de um arraial messiânico"; "Aparecimento e prisão de um Messias"; "Primeiros estudos de Folclore na Bahia"; "Antonio Vicente no Ceará"; "Euclides da Cunha nos jornais da Bahia".

O Mestre Calasans

Em seu livro "Sergipanos Ilustres na Bahia", Luiz Carlos Facó, entre outras considerações, afirma: "O mais antigo pesquisador da guerra de Canudos, na Bahia, quiçá no Brasil, recolheu ao longo de quase cinquenta anos de estudos, um farto material sobre aquela vergonhosa ação. Na década de 80, Mário Vargas Llosa, grande escritor peruano, que deu ao mundo pérolas preciosas de boa literatura, veio à nossa terra, buscar subsídios para escrever um romance sobre aquele tormentoso episódio, publicado posteriormente sob o título "A Guerra do Fim do Mundo". A fonte principal onde Vargas Llosa bebeu ensinamentos, para produzir sua obra, foi, em grande parte, no resultado das investigações promovidas por Calazans. Pena que os dados, as informações obtidas, apuradas por José Calazans, ainda não estejam registradas em livro". (Facó, 1998)

Infelizmente, Calasans não fez a grande obra que dele se esperava. Vaticinava-se-lhe um livro definitivo sobre Canudos. Para tanto não lhe faltavam conhecimento, talento e memória. Suas aulas encantavam pela sedução da palavra fluente e o prodígio da memória, que ele sabia usar como poucos, e com a qual ilustrava suas preleções, recitando versos e mais versos do repertório popular do sertão. Jamais alguém discorreu com tamanho conhecimento de causa sobre um tema. Dirse-ia-se que Canudos, penetrou na sua derme, entranhou-se nas suas vísceras, juntou-se ao seu sangue nele próprio se fundindo como uma segunda natureza. Calasans respirava, dormia, sonhava Canudos.

Walnice Galvão, consagrada autora de "No Calor da Hora", também recorreu ao prestimoso auxílio de Calasans. Em texto publicado em 2005, escreve sobre os deslizes factuais de "Os sertões" e refere-se a Calasans, o primeiro especialista a fugir da "gaiola de ouro" de "Os sertões", conforme imagem daquele estudioso. São de Walnice essas considerações: “É inestimável o papel desse historiador na renovação de tais estudos, lançando mão da metodologia da história oral e desencavando documentos, quando, a partir dos anos 50, encetou uma série de viagens para entrevistar sobreviventes da guerra. Conseguiu identificar figuras de proa, como por exemplo, Pedrão, auxiliar direto de Antônio Conselheiro. Pesquisou aspectos menos conhecidos do episódio, esclarecendo a atitude dos vigários da região, que iam do apoio ao mais violento repúdio; a etimologia da palavra jagunço; os indícios da peregrinação do líder místico; a composição do seu séquito; os caminhos que palmilhou; as trajetórias dos principais canudenses; a poesia popular que se originou daqueles eventos; e inúmeros outros. A partir de sua atuação, não é de surpreender que a guerra de Canudos tenha passado por um rigoroso processo de revisão" (revista "Nossa História", Ano 2, nº24, outubro 2005).

Por sua vez, em "Calasans um depoimento para a História", o historiador Marco Vila, estudioso de Canudos, faz curiosas observações sobre conversas entretidas com aquele respeitável "causer", de cuja amizade e convívio muito se beneficiou. Eis o que escreve Vila na Introdução do referido trabalho, escrito com a colaboração de José Carlos da Costa Pinheiro: "José Calasans é um pesquisador que tem um comportamento raro para os atuais padrões brasileiros, pois , ao invés de esconder as informações, faz questão de divulgar o que sabe à disposição dos estudiosos. A generosidade e o companheirismo, a vontade de saber mais e a sadia disposição ao debate, fazem parte da sua personalidade. Eu, um historiador paulista, somente há pouco tempo tive a oportunidade de conhecê-lo, apesar de há muitos anos ter aprendido nos seus livros as melhores lições sobre a história de Canudos” (1998).

Marco Antonio Vila fez cinco entrevistas com Calasans, em Salvador, entre os dias 4 a 8 de agosto de 1997. Na oportunidade, perquiriu exaustivamente o maior especialista de Canudos, indagando-lhe acerca do inicial interesse pelo tema até as discussões historiográficas daquele momento. Soube, por exemplo, que Calasans visitou a localidade, pela primeira vez, em 1950. Ali conversou com os sobreviventes do arraial, tais como: Pedrão, Manuel Ciriaco e D. Francisca. Graças a seus estudos foram iniciadas as discussões em torno do grande assunto.

Com efeito, deve-se-lhe a divulgação do tema Canudos, antes ausente das páginas da historiografia oficial. Hoje, são muitos os estudiosos que ainda incursionam pelos sertões da Bahia, em busca de informações sobre o episódio sangrento. De igual modo, os autores da literatura de cordel também se debruçam sobre a tragédia de Canudos, o Conselheiro e sua gente, não sendo estranhável que, cantadores do Nordeste, tantos anos após o final daquele triste episódio, relatem, nos seus versos, a grande saga sertaneja do final do século XIX.

Por essa razão, Luis Henrique Dias Tavares assinalou: "O mestre Calasans deu uma outra dimensão à figura de Conselheiro, até então retratado como um inimigo público, malfeitor, quase um bandido". Morto Calasans, a 29 de maio de 2001, vivo permanece na memória da sua gente. Gente da Bahia e gente de Sergipe.

Consuelo Pondé de Sena é historiadora. Atualmente preside o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.