José Calasans por Mario Cabral PÁGINA PRINCIPAL | VOLTAR estante

Professor Calasans

Quando fiz aniversário em 1994, José Calasans, velho e querido amigo de muitas décadas, espalhou, através de artigo bem escrito e bem lançado, que eu estava completando oitenta anos. E por incrível que pudesse parecer, era verdade. Agora, sem espírito de revide, faço o mesmo. E proclamo, alto e bom som, os seus oitenta anos, hoje, 14 de julho de 1995.

E não temo fazê-lo porque ele receberá o impacto com otimismo e bom-humor. Eu e José Calasans temos pontos comuns de vida e de destino. Somos da cidade de Aracaju. Estudamos no Ateneu Pedro II. Escrevemos os primeiros artigos para a Voz do Estudante. Cursamos a Faculdade de Direito, de Bernardino de Souza. Fomos a Sergipe e voltamos à Bahia para aqui residir, construir um lar e lutar pela nossa vida e pelos nossos ideais.

Ele, com brilho e com realce, professor, folclorista e historiador. Muito escrevemos, ambos, sobre a nossa doce terra natal. Mas José Calasans, é, por excelência, o conhecedor do assunto, de fascinantes contornos políticos, sociais e econômicos. É o mestre. O mentor de várias gerações de moças e de rapazes. Aquele que, de certo modo, deslindou, ponto por ponto, através de pesquisas e de análises, profundas e meticulosas, o novelo das lendas, estórias e controvérsias que cercavam e envolviam a trama da mudança da capital sergipana.

A capital que saíra de São Cristóvão, bem no alto, debruçada sobre o Vale do Paramopama, cheia de sobrados, palácios e igrejas monumentais para o povoado do Aracaju, terra de João Mulato, vasta planície pantanosa, de pescadores, de casebres e de cajueiros que deram o nome à cidade.

A visão política de Inácio Joaquim Barbosa se tornara realidade.

José Calasans, o autor de Aspectos folclóricos da cachaça, Cancioneiro histórico de Sergipe, O folclore no Recôncavo da Bahia e Aracaju e outros temas sergipanos e de mais dez títulos de história e de folclore, escritor de província, tomando o termo em sua melhor acepção, segundo o exato conceito de Gilberto Freyre, homem de cultura e de pensamento, aborda, preferencialmente, o fato regional, mais próximo ou mais chegado às raízes da nossa terra e da nossa gente, longe, portanto, da ressonância do que ocorre e do que acontece no centro nervoso da metrópole. Não obstante a obra de José Calasans chega lá, fazendo-se presente, com autenticidade, para o reconhecimento dos maiores valores mentais do País, como por exemplo, Pedro Calmon, Artur Ramos, Luís da Câmara Cascudo e Rodrigo Melo Franco de Andrade.

Os limites provincianos não foram capazes, como se observa, de conter a explosão do que disse, pensou e escreveu José Calasans.
A sua obra, vária e múltipla, máxime a do historiador, interessa, cada vez mais, aos críticos, estudantes, professores e universidades, como um valioso e sempre-vivo instrumento de consulta e de análise, claro e lúcido. O folclorista é igualmente brilhante: pesquisou o cancioneiro popular, os aspectos do folclore da cachaça, pesquisou Canudos e Antônio Conselheiro, e, ainda, o folclore histórico em diversas regiões da Bahia e de Sergipe, para um melhor entendimento do fenômeno cultural entre nós.

Mas José Calasans possui, ainda, um acervo de real valor literário, embora dele já tenha publicado preciosos trechos esparsos. Trata-se de um trabalho sobre Canudos. O tema é sempre atual, polêmico, contraditório e divergente, realidade e fantasia. Espero que José Calasans, velho e querido amigo, publique, quando lhe for possível ou conveniente, esse estudo ou esse livro, resultado de muito tempo de pesquisas e de andanças, sertão a dentro, ouvindo a voz do povo e resgatando a memória da tragédia que a pena de Euclides da Cunha imortalizou em fogo e sangue. Hoje, mais do que nunca, torna-se preciso mergulhar na vida e no tempo, literalmente, para percorrer os caminhos onde aconteceu o grande massacre. Porque, em baixo d’água, está essa brava Canudos com suas casas, suas pontes, suas igrejas, seu cemitério. Lá está Antônio Conselheiro que foi degolado e teve sua cabeça levada à exame de Nina Rodrigues.

Diziam-no um louco ou um celerado. Talvez um egresso das teorias de Madsley. Não e não! Era um sábio. E não diz coisa diferente Natanael Dantas em sua bela reportagem, para o MEC. Daí o ressurgimento do remorso nacional. Há muito o que estudar, ainda, na região do Cocorobó, ao pé de Belo Monte.

E quem saberá mais sobre Canudos, atualmente, do que o escritor José Calasans? Esse é o meu amigo: o professor, o folclorista, o pesquisador, o historiador, o homem de letras, o expositor de idéias, em sua longa trajetória de erudição e de saber, digno e honrado.
Cumprimento, assim, o colega e companheiro que é merecedor de todas as homenagens, pela sua vida e pela sua obra. Mas como falar de José Calasans, neste momento, sem falar de Lúcia, sua esposa, amiga e companheira, pessoa de tão raros e nobres sentimentos? Impossível! Que me perdoem, ambos, o que digo de público. Parabéns José Calasans pelos seus oitenta anos, fecundos e generosos. E, principalmente, em nome de uma amizade que já extrapolou a barreira do meio século...

Mário Cabral foi escritor e folclorista. Era membro da Academia Sergipana de Letras. Faleceu em 2009.