José Calasans por Myriam Fraga PÁGINA PRINCIPAL | VOLTAR estante

José Calasans, um mestre

Ao tentar escrever sobre José Calasans, a primeira palavra que me vem à mente é saudade. Felizes os que partem deixando atrás de si esse rastro de benquerença, esse perfume que consola, fazendo com que o sentimento de perda torne-se mais leve e a ausência, mais suportável.

Notável estudioso de nossa história, pesquisador incansável de nossa cultura, debruçou-se, com meticuloso rigor, sobre tudo que dissesse respeito ao objeto de seus estudos, notabilizando-se, principalmente, pela devoção à saga sertaneja de Canudos, assunto que dominava como poucos e ao qual dedicou grande parte da vida, reunindo um elenco de peças e documentos que generosamente doou à Universidade Federal da Bahia - a sua Universidade! -, para que fossem disponibilizados para estudantes e pesquisadores através do Centro de Estudos Baianos. Nascia naquelo momento o Núcleo Sertão, um dos maiores centros de estudos e pesquisas sobre a Guerra de Canudos.

Homem de cultura e homem de ação, não se contentava com os limites de um gabinete de trabalho, saindo a campo, sempre que solicitado, para assumir importantes lideranças, quer na universidade, onde exerceu inúmeros cargos, inclusive o de vice-reitor, quer na iniciativa privada, quando dirigiu o Museu Eugênio Teixeira Leal, do antigo Banco Econômico.

Pertencendo ao Conselho Estadual de Cultura, no qual chegou a ocupar a presidência, era também membro destacado da Academia de Letras da Bahia, da qual foi, igualmente, presidente, ocupando, com muito brilho, a cadeira de nº28, da qual é patrono o poeta Junqueira Freire.

A todos estes atributos soma-se, também, o que consideramos qualidade mais destacada, porque cada vez mais rara: o profundo senso humanístico, a modéstia intelectual, que só fazia aumentar-lhe o brilho, um desprendimento que o fazia repartir o pão da sabedoria com quantos tivessem o privilégio de chamá-lo de mestre.

José Calasans Brandão da Silva, meu mestre desde os tempos de adolescente, no colégio de Sacramentinas, exemplo para ser seguido a vida inteira, meu confrade da Academia de Letras, onde sua presença serena impunha-se pelo respeito e pelo equilíbrio. Um homem de paz, que se inflamava ao tratar da Guerra de Canudos, seu tema preferido.

No Palacete Góes Calmon, na sede de sua Academia, a cadeira de nº28 está vaga. E nunca a palavra vacância pareceu-me tão pesada.

Texto publicado na coluna Linha d'água do Caderno 2 do jornal A Tarde, Salvador, de 3 de junho de 2001. Myriam Fraga é poeta e dirige a Fundação Casa de Jorge Amado. É membro da Academia de Letras da Bahia.